1.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Este estudo tem por objetivo analisar a obra
poética madura de Emiliano Perneta (1866-1921) -- doravante, EP --, o poeta
paranaense que, após formar-se em Direito em São Paulo, viveu no Rio de Janeiro
(1890-1892) e ali participou do primeiro grupo de autores simbolistas do País,
sendo por isso considerado um dos iniciadores desse movimento na literatura
brasileira. Em 1896, o poeta retornaria a seu Estado natal, para daqui não mais
sair, a não ser por curtos períodos.
Por que estudar a sua poesia? Qual o sentido de alguém debruçar-se hoje sobre o seu livro mais
importante – “Ilusão”, publicado em Curitiba no longínquo ano de 1911 -- e as
publicações posteriores, “Pena de Talião” e “Setembro”?
Em
primeiro lugar, porque se trata do poeta paranaense que mais se destacou na
história da nossa literatura. Aliás, Nestor Vítor escreveu isso, por ocasião da
morte de EP: “o falecimento do maior poeta que
até aqui nasceu e viveu no Paraná.”1 Ele é produto do nosso meio social, e
reflete, à sua maneira, e em seu tempo, o modo de pensar e sentir desta
terra.
Outra
razão é a pequena quantidade de estudos disponíveis, em livro, tratando
sistematicamente do assunto, o que fez Alfredo Bosi (na “História Concisa da
Literatura Brasileira”) recomendar que a poesia de EP fosse mais estudada.
Já em
1965, às vésperas do centenário de nascimento de EP, quando frequentei, ainda
aluno do Colégio Estadual do Paraná (antigo Ginásio Paranaense, onde EP foi
professor, na primeira década do século) 2, um curso sobre análise literária
prelecionado pelo poeta Tasso da Silveira, este mesmo já nos havia feito tal
recomendação.
Tasso,
filho do poeta simbolista Silveira Neto, contemporâneo de EP, era também seu
afilhado, e por aí se vê como as gerações que se sucedem vão transmitindo a
“mística de Emiliano”... tão criticada por Dalton Trevisan!
Ironias à
parte, o que me interessa no caso é avaliar a qualidade dessa poesia, uma vez
que sobre ela não existe consenso. Como se verá no capítulo 5, as opiniões
divergem muito sobre o seu valor. Apenas para citar o exemplo mais extremo,
enquanto Dalton Trevisan o considera um “poeta
medíocre” (ou nega-lhe mesmo a condição de poeta), Wilson Martins afirma
ser Emiliano poeta de “alta qualidade”,
autor de um dos mais belos poemas de nossa literatura, e de alguns versos
lapidares. E outro crítico de prestígio nacional, este não radicado no Paraná
-- José Guilherme Merquior -- afirma que EP, juntamente com B.Lopes, compõe a
dupla de representantes “de real interesse”
do decadentismo brasileiro. Além disso,
para ele, “Perneta é antes de tudo um bom lírico
erótico”. Estranhamente, a nossa
produção universitária manteve-se alheia ao debate dessa questão, apesar dela
ser tão pertinente à área de Letras...
Mas como se avalia a qualidade de uma
poesia? Naturalmente, pelo contato direto com os poemas. Os versos em si mesmos
valem mais do que mil opiniões. Porém para alcançar esse objetivo é preciso que
eles sejam bem apreendidos quanto ao seu significado (nos sentidos denotativo e
conotativo), quanto à sua imagística, ao modo como se expressam foneticamente
etc.
A reunião
desses subsídios constitui o conteúdo básico deste livro. Ao longo do “passeio”
pelos versos e poemas de EP -- ao longo das cinco rotas percorridas, adiante indicadas
– vou colhendo elementos úteis para uma avaliação pessoal dessa poesia. Eles
servem também para avaliar a maior ou menor justeza das opiniões emitidas sobre
ela, por parte de notáveis escritores brasileiros, sumarizadas no capítulo
final deste trabalho.
O meu objetivo
é, portanto, analisar a obra poética madura de EP -- representada por
“Ilusão” (a coletânea de poemas mais festejada da literatura paranaense), o
poema dramático “Pena de Talião” e a obra póstuma “Setembro” -- a fim de colher
subsídios para a avaliação da qualidade de sua poesia. EP, em 1911, quando do
lançamento de “Ilusão”, foi coroado “príncipe dos poetas paranaenses” em
cerimônia realizada no Passeio Público de Curitiba, nos moldes das que ocorriam
na Grécia antiga, fonte permanente de inspiração para as iniciativas idealistas
de Dario Veloso, fundador do Instituto Neopitagórico, em Curitiba.
*
A minha atenção voltou-se para aquelas características que têm sido
apresentadas pela poesia de alta qualidade ao longo do tempo. Trata-se de
uma poesia que expressa a verdade da
condição humana, donde decorre a sua capacidade de emocionar. Mas expressa tal
conteúdo de modo cativante, prazeroso (prazer estético), por meio de uma linguagem
única, característica do poeta, linguagem essa povoada de imagens e sons
peculiares. As imagens revelam originalidade, diversidade e cativam o
leitor. Os sons são usados esteticamente: o modo do poeta trabalhar com
fonemas, rimas, assonâncias, aliterações etc
resulta em maior expressividade,
eufonia e musicalidade do verso.
O meu interesse maior foi, portanto, o aspecto estritamente literário da
obra em questão, embora ela possa também ser considerada sob outros
pontos-de-vista (psicológico, sociológico ou filosófico). Esta é, portanto, uma
das muitas viagens possíveis no reino da Ilusão. A ênfase do estudo recai sobre
o exame da linguagem utilizada pelo poeta, chamando a atenção do leitor
para aspectos que, de outra forma, poderiam passar despercebidos. Essa
linguagem busca, naturalmente, expressar certas idéias, que procurei
identificar e sistematizar. A informação biográfica conhecida, ou de outra
natureza, foi também incorporada ao estudo, sempre que se julgou conveniente,
para ilustrar alguma observação
particular.
*
Para alcançar o objetivo antes
mencionado, adotei os seguintes procedimentos metodológicos:
1.-após uma leitura atenta dos poemas, identifiquei um conjunto de
idéias-mestras, que, na minha interpretação, definem o conteúdo essencial
da obra em estudo. Por isso, elas servem também para a estruturação do cerne
deste trabalho (capítulo 3);
2.-a seguir, arrolei os
versos mais representativos de tais idéias-mestras; este procedimento permite
avaliar, em conjunto, as recorrências da mesma idéia-mestra, em diferentes poemas,
enriquecendo a sua compreensão pelo exame das peculiaridades dos diversos
excertos citados;
3.-uma vez definido o arcabouço geral deste trabalho,
agreguei, aos versos já citados, informação sucinta sobre os poemas de onde
eles provieram, seus temas e assuntos, seus personagens, situados num
determinado espaço e tempo, para proporcionar ao leitor uma ampla visão do
conteúdo da obra poética estudada;
4.-considerei as características formais dos poemas antes
citados por causa de seu conteúdo, de modo a explicitar a funcionalidade da forma
relativamente a esse mesmo conteúdo. As observações a esse respeito referem-se
ao papel desempenhado pelas imagens empregadas (comparações, metáforas,
símbolos etc) bem como ao ritmo dos versos, destacando-se aqui suas características métricas, fonéticas e outras.
As citações
de versos, que originalmente visavam apenas ilustrar aspectos relacionados às
idéias-mestras, foram assim ampliadas para incorporar as características formais que julguei interessante
salientar.
Uma preocupação central foi
sempre identificar recorrências no exame dos poemas, pois é nas recorrências --
ou nos padrões conteudísticos e formais -- que fica explicitado o que é
realmente característico da obra, o que distingue um autor do outro.
Uma vez concluídas as etapas
acima mencionadas, acredito ter obtido os elementos essenciais para
possibilitar o julgamento sobre a
qualidade da poesia de EP, que consta no capítulo 5.
Notas ao
capítulo 1
1 VÍTOR,
Nestor – “Obra Crítica”- v. III, Rio de Janeiro, Fundação Casa de Rui Barbosa/
Curitiba, Secretaria de Estado da Cultura e do Esporte, 1979, p. 52
2 Andrade
MURICY afirmou, em “Emiliano Perneta”, Rio de Janeiro, 1919, p. 50, ter sido
seu aluno de Português e Literatura em 1909 no Ginásio Paranaense. Segundo
ainda Muricy, EP foi professor do
Ginásio e Escola Normal até 1911, quando optou pela Auditoria de Guerra, “que exerceu até falecer” (cf.
“Emiliano Perneta”. Col. Nossos Clássicos nº 43, 2a. ed., Rio de
Janeiro, Agir, 1966, p.4). Cf. também depoimento de Raul GOMES: “Emiliano, como professor” in “Revista da
Academia Paranaense de Letras”, ano III, nº 9, jan-fev 1941, pp.36-38
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