quarta-feira, 12 de dezembro de 2012



6. ANEXOS



6.1- Nota sobre o primeiro livro-“Músicas”


            “Músicas” foi publicado em 1888, quando EP era estudante de Direito em São Paulo e contava apenas 22 anos de idade. Reúne 69 poemas, metrificados, dos quais 52 são sonetos, com versos de 10 sílabas, em sua maioria. Nesse mesmo ano, sabe-se que ele também publicou um panfleto em versos em prol do abolicionismo, intitulado “Carta à Condessa d’Eu”, sob o pseudônimo Vítor Marinho.

Em “Músicas”, ao contrário daquele panfleto, não ocorre o engajamento social, exceto nestes versos do soneto “A...”, em que o poeta expressa a sua postura antiburguesa e anticlerical:

            Bebi; zombando do burguês ao vê-lo
            Em caminho de um longo povoado,
            Fi-lo dançar como urso e de camelo
            Chamei o reverendo delicado...    

            Predomina em “Musicas” o tema do amor, explorado em muitos poemas,  inclusive em 18 deles, que constituem a série intitulada “Histórias sem fim”. A amada, nos poemas com esse tema, é objeto de um tratamento idealizado (“Neste monte”) ou não (“Tu...”), e os versos podem apresentar-se com muita sensualidade erótica (“Em redor da carne”), antecipando uma característica marcante de “Ilusão”. 

            Todavia, outros temas também são explorados, como os da natureza, da  passagem do tempo, da morte e da vida, cujo sentido é indagado pelo jovem poeta, que perdeu a fé de seus pais,  na qual foi formado. Em “Músicas” ele se revela ateu (“Vãs revoltas”) e descrente na imortalidade da alma (“Canção triste”):

            Mas agora que eu sei e conheço a verdade:
            ..............................................................
            Que depois desta vida há uma eternidade:
                        O nada, o nada, o nada;
           
Rejeita também a concepção idealista do mundo (“Depois de uma leitura”):

Viste ainda há pouco o cândido e risonho
Céu, por aquela sã filosofia,
Mas tudo aquilo não é mais que um sonho!

Tudo aquilo tão belo como é vão!
O Bem nos enche de melancolia,
O Bem, o sonho, que desolação!

Mas ele se autodeprecia, como faz o crente. Em “Vãs revoltas” considera-se “pó”, de acordo com a passagem bíblica, e refere-se ao seu corpo como uma “carcaça”. Além disso, em “Tormenta” expressa o “medo e pasmo” do homem primitivo ante as forças da natureza (que será motivo de crença em Deus num poema de “Setembro”). Em “Medo do infinito”, o poeta relaciona o medo físico ao metafísico: seu medo é o do crente que afirma não crer.

            Compartilha com Schopenhauer -- tema de um dos sonetos -- a visão pessimista do mundo, pois afirma conhecer “a hediondez deste vazio”, i.e. do mundo, cuja “torpeza” Schopenhauer descreveu, um “Abismo, cheio de perfídia e danos”, uma “miragem rútila de enganos”.

            O tema da passagem do tempo está presente na melancolia das referências à infância e à vida familiar, e ainda no soneto “Papéis velhos”, talvez o melhor poema do livro, transcrito abaixo:

            De novo as velhas páginas tu fitas,
            Vagas, sem ritmo e luz, nem florescência,
            Louváveis só por terem sido escritas
            Na quadra sideral da adolescência.

            E lês e a cada frase vã meditas,
            Sentindo aquela doce e grata essência
            Das lembranças de um século infinitas...
            Que brinquedo foi pois esta existência?!

            Nada contam-te os versos, no entretanto
            Lendo-os, um choque súbito te prende
            E te transporta para antigas eras...

            Doiram-te sóis, e aos teus ouvidos canto
            Longo vem do passado que recende
            O olor ideal de velhas primaveras. (*)
            ------------------------  
(*) Olor= “Cheiro agradável; aroma, perfume, fragrância” (dic. Aurélio)


Também  o  tema  da  morte  é  explorado (“Dolor”,  “Férias”,  “Ilusão”,   “Na  treva”, “Requies”), refletindo o impacto, sobre a sensibilidade do poeta, do falecimento de sua mãe, ocorrido pouco tempo antes (em 1886). Ela é mencionada explicitamente em alguns daqueles poemas.

A  natureza  -- assim  como  o  passado (“Idade de ouro”) –   é  vista   como  refúgio do poeta, que gostaria de vê-la povoada dos personagens da mitologia clássica (“No bosque”). Os elementos da natureza são personificados, têm vontade própria (cf. a “vontade da natureza”, em Schopenhauer) e os fenômenos do mau tempo são associados à disposição de espírito do poeta, à cólera e tristeza (“Tormenta”).

Dentre  as  referências  que  serão  recorrentes  na  obra  futura,  além   das citadas acima, constam aquelas relativas ao elogio ao vinho, à mulher identificada com a flor, à presença de personagens mitológicos (“Idade de ouro”), à presença do asceta (“Tentação”) etc.

            Em “História trivial” o protagonista, frustrado no amor, tem prazer em sofrer—“Que prazer em sofrer como sofria!”, antevendo a sua morte. Em “Neste monte”, o poeta afirma:

             Meu pobre coração, vê-lo-ia esmorecendo,
            Esbatido a teus pés, ó fulgoroso astro!
            Dulcíssimo e feliz e súplice e morrendo! (*)
            ---------------
            (*) Cf. o polissíndeto

            Por outro lado, em “Requies”, tradução de Leconte de Lisle (o mestre da estética parnasiana, à qual “Músicas” se vincula, pois EP ainda não fizera a sua opção simbolista) constam estes versos:
           
            A vida é feita assim, devemo-la sofrer.
            O fraco sofre e chora, e fica o doido furioso,
            Mas o mais sábio ri, vendo que há de morrer.

            Essa atitude insólita do poeta perante o sofrimento e a morte, que  aparecerá também na obra futura, encontra a sua explicação nas concepções hindus que influenciaram estes dois autores citados em “Músicas”—Schopenhauer (1788-1860), que considerava o budismo, juntamente com Platão e Kant, uma das fontes de seu pensamento, e Leconte de Lisle (1818-1894), autor dos “poemas hindus” integrantes de “Poèmes Antiques”.                 

            A vida, para EP, como para o budismo, também é sofrimento, decorrência da vontade, sempre insatisfeita. O poeta, porém, como o asceta, vê no sofrimento um meio de autossuperação e elevação espiritual. A morte não é algo para ser temido mas desejado, pois significa integrar-se ao Nada, que é a única (ou a verdadeira) realidade. Por isso, o “sábio ri, vendo que há de morrer”. Pois o sábio busca a verdade essencial, e não se satisfaz com o mundo da aparência. O poeta se admira com a serenidade de Schopenhauer, que nos fala “tão a sangue frio” da realidade do mundo quando se encontrava já “à beira do abismo”, isto é, do Nada. 

Por outro lado, decorre da tradição hinduísta a concepção, adotada por EP na obra madura,  de que o mundo, a coisa em si, é escondido pelo “véu de Maia”, ou da ilusão, palavra que dá o título de seu livro principal. Também decorre da filosofia hindu a caracterização que faz do artista como um ser infeliz (pois deseja demais) e pessimista.    

Quanto à linguagem, constata-se no livro a presença de coloquialismos (“papagueando”, no soneto II de “Histórias sem fim”); o emprego dos termos (recorrentes em “Ilusão”) “esquisito”, com o sentido da língua francesa, e “doido”; o uso da cor para coisas abstratas (“rósea mocidade”, no soneto VIII de “Histórias sem fim”; “sonhar azul”, no soneto X). Ressalte-se ainda o uso que faz de polissíndetos, em várias ocasiões (“Tormenta”, “Esculpe-a”), mais uma das características que estarão presentes na obra futura.  

Há também a presença de versos insólitos, bizarros, como no final do soneto XI de “Histórias sem fim”, quando o poeta, após dar conselhos a alguém, manda-o ir para o inferno ou no soneto XIII, em que, vendo a amada indiferente e seu olhar e riso gelados, deseja que “antes fossem gelados pela morte”.

            No poema “Serenata”, primeira estrofe, o poeta usa funcionalmente a consoante líquida l (e também o dígrafo lh) como recurso estético coerente com a menção, nos versos, às águas do rio por onde desce a canoa.     

Embora EP não tenha ainda alcançado a sua maturidade estética, e o livro contenha alguns poemas pouco inspirados, ou que caem no lugar comum (ex: o conselho aos filhos para que amem bem a sua mãe, em “Férias”), ou em que ocorrem versos com muitos adjetivos para preencher o decassílabo, há alguns poemas que merecem ser destacados e conhecidos, além do já citado “Papéis velhos”.

Esse é o caso de “Dentro de uma alcova”, de um erotismo sutil, e ainda de “Tormenta”, “Coração”, “Em redor da carne”, “Serenata”, “Canção triste”, “No bosque”, “Idade de ouro” (em que EP elogia o relacionamento dos poetas da antiguidade clássica com seus deuses, que lhes faziam rir, ao contrário dos nossos deuses, que só nos infundem tristeza e medo) e “Mazurca”. Aliás,  justificando o título da coletânea, há vários poemas com referências musicais. Em “Oásis”, por exemplo, a alma do poeta é comparada a um instrumento; o amor, “como um arco”, vibra em seu peito “voluptuoso acorde”. Também em “Aplaudite vulgus” (um dos muitos poemas com título em latim), o poeta sente “Sonhos e sonhos do mais puro acorde”, quando o povo o troca por outro poeta e seus versos são objeto de zombaria. Mas a humilhação, o sofrimento, o eleva...  

Temos aqui mais uma afinidade do jovem EP com Schopenhauer para quem a Arte alivia o sofrimento da vida. Porém a música, para o filósofo, tem efeito “mais poderoso e penetrante que o das outras artes; estas falam de sombras e a música fala das coisas em si”. Ela “não é cópia das idéias, ou da essência das coisas, como as outras artes, e sim ‘cópia da vontade em si’(apud Will Durant—“História da Filosofia”- 11a. ed.- S.Paulo, Cia Editora Nacional, 1962- p. 314).


6.2- Emiliano Perneta: nota biobibliográfica 

             EP nasceu em 1866 no sítio da família (“sítio dos Pinhais”), localizado perto de onde se situa hoje o aeroporto Afonso Pena, nas proximidades de Curitiba.

            Após estudar no Colégio Müller, Colégio Nossa Senhora da Luz e Instituto Paranaense (mais tarde Ginásio Paranaense), em Curitiba, mudou-se para São Paulo, em 1885, a fim de frequentar a tradicional Faculdade de Direito, onde se formou em 1889. Nas suas férias, quando retornava a Curitiba, fazia propaganda abolicionista e republicana.

           Durante 1890-1892 viveu no Rio de Janeiro, e aí exerceu o jornalismo, tendo pertencido ao primeiro grupo de poetas que abraçou os ideais estéticos do Simbolismo, iniciando tal movimento na literatura brasileira. A esse mesmo grupo pertenceu o amigo Cruz e Souza, com quem ele conviveu diariamente, por três anos, como colega de redação em jornais da época, conforme uma crônica que consta em sua “Prosa”, editada por Gerpa em 1945. 

Em fevereiro de 1893, EP foi para Minas Gerais (a convite do político João Pinheiro, também egresso da Faculdade de Direito de São Paulo), onde trabalhou como Promotor Público em Caldas e Juiz Municipal, com Vara de Juiz de Direito, em Santo Antônio do Machado. Em 1896 retornou, doente, a Curitiba, aqui permanecendo até o fim de sua vida. Exerceu o jornalismo, a advocacia e o magistério. Foi professor de português e literatura no Ginásio Paranaense e Escola Normal desde 1901, ocupando, ao mesmo tempo, o cargo de Auditor de Guerra (juiz militar) com o posto de capitão. Optou por esse cargo em 1911,  abandonando então o magistério.

Segundo Paulo Leminski, na época do Simbolismo, “Curitiba foi, talvez, intelectualmente, a cidade mais importante do país. De quinze revistas simbolistas editadas no Brasil, nove o foram em Curitiba no início do século”. E a atuação de EP em nosso meio,   ao lado de Dario Veloso e outros escritores locais, muito contribuiu para que a cidade alcançasse tal condição.

A obra poética de EP consiste nos seguintes livros: “Músicas” (1888), “Carta à Condessa d’Eu” (1888) (sob o pseudônimo Vítor Marinho), “Ilusão” (1911), “Pena de Talião” (1914), “Setembro” (póstumo, 1934), “Papilio Innocentia” (póstumo, 1966), libreto para a ópera de Leo Kessler (que consiste numa adaptação do romance “Inocência” do Visconde de Taunay) e a peça infantil “Vovozinha” (publicada como parte do livro “Emiliano Perneta” de José Nicolau dos Santos- Curitiba, Editora da Universidade Federal do Paraná, 1982). 

Em prosa, EP publicou o conto “O inimigo” (1899), “Floriano” (1902), “Alegoria”, “prosa poemática” (1903) e a “Oração à estátua do Marechal Floriano Peixoto” (1905). Todos esses trabalhos, além de artigos e crônicas publicadas em jornais, encontram-se reunidos em “Obras Completas de Emiliano Perneta”-v.1- “Prosa”- Curitiba, Gerpa, 1945, livro organizado e anotado por Erasmo Pilotto. O volume 1 não teve continuação).

EP faleceu em 1921, aos 55 anos, no sobrado em que residia, situado na rua XV de Novembro, 84, em Curitiba.

Fonte dessas informações:

 1) MURICY, Andrade—“Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro”- v.I- Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde/ Instituto Nacional do Livro, 1952;

2) Cronologia que integra “Ilusão & Outros Poemas”- Curitiba, Prefeitura Municipal, 1996 (col. Farol do Saber). 

3) Entrevista de Paulo Leminski à revista “Quem” nº 21. Curitiba- maio de 1980.  

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