6. ANEXOS
6.1- Nota sobre o primeiro livro-“Músicas”
“Músicas”
foi publicado em 1888, quando EP era estudante de Direito em São Paulo e
contava apenas 22 anos de idade. Reúne 69 poemas, metrificados, dos quais 52
são sonetos, com versos de 10 sílabas, em sua maioria. Nesse mesmo ano, sabe-se
que ele também publicou um panfleto em versos em prol do abolicionismo,
intitulado “Carta à Condessa d’Eu”, sob o pseudônimo Vítor Marinho.
Em “Músicas”, ao contrário
daquele panfleto, não ocorre o engajamento social, exceto nestes versos do
soneto “A...”, em que o poeta expressa a sua postura antiburguesa e
anticlerical:
Bebi;
zombando do burguês ao vê-lo
Em
caminho de um longo povoado,
Fi-lo
dançar como urso e de camelo
Chamei
o reverendo delicado...
Predomina em “Musicas” o tema
do amor, explorado em muitos poemas,
inclusive em 18 deles, que constituem a série intitulada “Histórias
sem fim”. A amada, nos poemas com esse tema, é objeto de um tratamento
idealizado (“Neste monte”) ou não (“Tu...”), e os versos podem
apresentar-se com muita sensualidade erótica (“Em redor da carne”),
antecipando uma característica marcante de “Ilusão”.
Todavia, outros temas também
são explorados, como os da natureza, da
passagem do tempo, da morte e da vida, cujo sentido é indagado pelo
jovem poeta, que perdeu a fé de seus pais,
na qual foi formado. Em “Músicas” ele se revela ateu (“Vãs revoltas”)
e descrente na imortalidade da alma (“Canção triste”):
Mas agora
que eu sei e conheço a verdade:
..............................................................
Que
depois desta vida há uma eternidade:
O
nada, o nada, o nada;
Rejeita também a concepção
idealista do mundo (“Depois de uma leitura”):
Viste ainda
há pouco o cândido e risonho
Céu, por
aquela sã filosofia,
Mas tudo
aquilo não é mais que um sonho!
Tudo aquilo
tão belo como é vão!
O Bem nos
enche de melancolia,
O Bem, o
sonho, que desolação!
Mas ele se autodeprecia, como
faz o crente. Em “Vãs revoltas” considera-se “pó”, de acordo com a
passagem bíblica, e refere-se ao seu corpo como uma “carcaça”. Além disso, em “Tormenta”
expressa o “medo e pasmo” do homem primitivo ante as forças da natureza (que será motivo de
crença em Deus num poema de “Setembro”). Em “Medo do infinito”, o poeta
relaciona o medo físico ao metafísico: seu medo é o do crente que afirma não
crer.
Compartilha
com Schopenhauer -- tema de um dos sonetos -- a visão pessimista do mundo, pois
afirma conhecer “a hediondez deste vazio”, i.e. do mundo, cuja “torpeza” Schopenhauer descreveu, um
“Abismo,
cheio de perfídia e danos”, uma “miragem rútila de enganos”.
O tema da
passagem do tempo está presente na melancolia das referências à infância e à
vida familiar, e ainda no soneto “Papéis velhos”, talvez o melhor poema
do livro, transcrito abaixo:
De novo as
velhas páginas tu fitas,
Vagas,
sem ritmo e luz, nem florescência,
Louváveis
só por terem sido escritas
Na
quadra sideral da adolescência.
E
lês e a cada frase vã meditas,
Sentindo
aquela doce e grata essência
Das
lembranças de um século infinitas...
Que
brinquedo foi pois esta existência?!
Nada
contam-te os versos, no entretanto
Lendo-os,
um choque súbito te prende
E
te transporta para antigas eras...
Doiram-te
sóis, e aos teus ouvidos canto
Longo
vem do passado que recende
O
olor ideal de velhas primaveras. (*)
------------------------
(*) Olor= “Cheiro
agradável; aroma, perfume, fragrância” (dic. Aurélio)
Também o
tema da morte
é explorado (“Dolor”, “Férias”, “Ilusão”, “Na treva”, “Requies”), refletindo o
impacto, sobre a sensibilidade do poeta, do falecimento de sua mãe, ocorrido
pouco tempo antes (em 1886). Ela é mencionada explicitamente em alguns daqueles
poemas.
A natureza -- assim
como o passado (“Idade de ouro”) – é
vista como refúgio do poeta, que gostaria de vê-la
povoada dos personagens da mitologia clássica (“No bosque”). Os
elementos da natureza são personificados, têm vontade própria (cf. a “vontade
da natureza”, em Schopenhauer) e os fenômenos do mau tempo são associados à
disposição de espírito do poeta, à cólera e tristeza (“Tormenta”).
Dentre as referências
que serão recorrentes
na obra futura,
além das citadas acima, constam
aquelas relativas ao elogio ao vinho, à mulher identificada com a flor, à
presença de personagens mitológicos (“Idade de ouro”), à presença do
asceta (“Tentação”) etc.
Em “História
trivial” o protagonista, frustrado no amor, tem prazer em sofrer—“Que prazer
em sofrer como sofria!”, antevendo a sua morte. Em “Neste monte”, o poeta afirma:
Meu pobre
coração, vê-lo-ia esmorecendo,
Esbatido
a teus pés, ó fulgoroso astro!
Dulcíssimo
e feliz e súplice e morrendo! (*)
---------------
(*)
Cf. o polissíndeto
Por
outro lado, em “Requies”, tradução de Leconte de Lisle (o mestre da
estética parnasiana, à qual “Músicas” se vincula, pois EP ainda não fizera a
sua opção simbolista) constam estes versos:
A vida é
feita assim, devemo-la sofrer.
O
fraco sofre e chora, e fica o doido furioso,
Mas
o mais sábio ri, vendo que há de morrer.
Essa
atitude insólita do poeta perante o sofrimento e a morte, que aparecerá também na obra futura, encontra a sua
explicação nas concepções hindus que influenciaram estes dois autores citados
em “Músicas”—Schopenhauer (1788-1860), que considerava o budismo, juntamente
com Platão e Kant, uma das fontes de seu pensamento, e Leconte de Lisle
(1818-1894), autor dos “poemas hindus” integrantes de “Poèmes Antiques”.
A
vida, para EP, como para o budismo, também é sofrimento, decorrência da
vontade, sempre insatisfeita. O poeta, porém, como o asceta, vê no sofrimento
um meio de autossuperação e elevação espiritual. A morte não é algo para ser
temido mas desejado, pois significa integrar-se ao Nada, que é a única (ou a
verdadeira) realidade. Por isso, o “sábio ri, vendo que há de morrer”. Pois o sábio busca a
verdade essencial, e não se satisfaz com o mundo da aparência. O poeta se
admira com a serenidade de Schopenhauer, que nos fala “tão a sangue
frio” da
realidade do mundo quando se encontrava já “à beira do abismo”, isto é, do Nada.
Por outro lado, decorre da
tradição hinduísta a concepção, adotada por EP na obra madura, de que o mundo, a coisa em si, é escondido
pelo “véu de Maia”, ou da ilusão, palavra que dá o título de seu livro
principal. Também decorre da filosofia hindu a caracterização que faz do
artista como um ser infeliz (pois deseja demais) e pessimista.
Quanto à linguagem,
constata-se no livro a presença de coloquialismos (“papagueando”, no soneto II de “Histórias
sem fim”); o emprego dos termos (recorrentes em “Ilusão”) “esquisito”, com o sentido da língua
francesa, e “doido”; o
uso da cor para coisas abstratas (“rósea mocidade”, no soneto VIII de “Histórias
sem fim”; “sonhar azul”, no soneto X). Ressalte-se ainda o uso que faz de
polissíndetos, em várias ocasiões (“Tormenta”, “Esculpe-a”), mais
uma das características que estarão presentes na obra futura.
Há também a presença de
versos insólitos, bizarros, como no final do soneto XI de “Histórias sem fim”,
quando o poeta, após dar conselhos a alguém, manda-o ir para o inferno ou no
soneto XIII, em que, vendo a amada indiferente e seu olhar e riso gelados,
deseja que “antes fossem gelados pela morte”.
No
poema “Serenata”, primeira estrofe, o poeta usa funcionalmente a
consoante líquida l (e também o
dígrafo lh) como recurso estético
coerente com a menção, nos versos, às águas do rio por onde desce a canoa.
Embora EP não tenha ainda
alcançado a sua maturidade estética, e o livro contenha alguns poemas pouco
inspirados, ou que caem no lugar comum (ex: o conselho aos filhos para que amem
bem a sua mãe, em “Férias”), ou em que ocorrem versos com muitos
adjetivos para preencher o decassílabo, há alguns poemas que merecem ser
destacados e conhecidos, além do já citado “Papéis velhos”.
Esse é o caso de “Dentro
de uma alcova”, de um erotismo sutil, e ainda de “Tormenta”, “Coração”,
“Em redor da carne”, “Serenata”, “Canção triste”, “No
bosque”, “Idade de ouro” (em que EP elogia o relacionamento dos
poetas da antiguidade clássica com seus deuses, que lhes faziam rir, ao
contrário dos nossos deuses, que só nos infundem tristeza e medo) e “Mazurca”.
Aliás, justificando o título da
coletânea, há vários poemas com referências musicais. Em “Oásis”, por
exemplo, a alma do poeta é comparada a um instrumento; o amor, “como um arco”, vibra em seu peito “voluptuoso
acorde”. Também
em “Aplaudite vulgus” (um dos muitos poemas com título em latim), o
poeta sente “Sonhos e sonhos do mais puro acorde”, quando o povo o troca por outro poeta e seus versos
são objeto de zombaria. Mas a humilhação, o sofrimento, o eleva...
Temos aqui mais uma afinidade
do jovem EP com Schopenhauer para quem a Arte alivia o sofrimento da vida.
Porém a música, para o filósofo, tem efeito “mais poderoso e penetrante
que o das outras artes; estas falam de sombras e a música fala das coisas em si”. Ela “não é cópia
das idéias, ou da essência das coisas, como as outras artes, e sim ‘cópia da
vontade em si’” (apud Will
Durant—“História da Filosofia”- 11a. ed.- S.Paulo, Cia Editora
Nacional, 1962- p. 314).
6.2- Emiliano Perneta: nota biobibliográfica
EP
nasceu em 1866 no sítio da família (“sítio dos Pinhais”), localizado perto de
onde se situa hoje o aeroporto Afonso Pena, nas proximidades de Curitiba.
Após estudar no Colégio Müller, Colégio Nossa Senhora da
Luz e Instituto Paranaense (mais tarde Ginásio Paranaense), em Curitiba,
mudou-se para São Paulo, em 1885, a fim de frequentar a tradicional Faculdade
de Direito, onde se formou em 1889. Nas suas férias, quando retornava a
Curitiba, fazia propaganda abolicionista e republicana.
Durante 1890-1892 viveu no Rio de Janeiro, e aí exerceu o
jornalismo, tendo pertencido ao primeiro grupo de poetas que abraçou os ideais
estéticos do Simbolismo, iniciando tal movimento na literatura brasileira. A
esse mesmo grupo pertenceu o amigo Cruz e Souza, com quem ele conviveu diariamente,
por três anos, como colega de redação em jornais da época, conforme uma crônica
que consta em sua “Prosa”, editada por Gerpa em 1945.
Em
fevereiro de 1893, EP foi para Minas Gerais (a convite do político João
Pinheiro, também egresso da Faculdade de Direito de São Paulo), onde trabalhou
como Promotor Público em Caldas e Juiz Municipal, com Vara de Juiz de Direito,
em Santo Antônio do Machado. Em 1896 retornou, doente, a Curitiba, aqui
permanecendo até o fim de sua vida. Exerceu o jornalismo, a advocacia e o
magistério. Foi professor de português e literatura no Ginásio Paranaense e
Escola Normal desde 1901, ocupando, ao mesmo tempo, o cargo de Auditor de
Guerra (juiz militar) com o posto de capitão. Optou por esse cargo em 1911, abandonando então o magistério.
Segundo
Paulo Leminski, na época do Simbolismo, “Curitiba foi, talvez,
intelectualmente, a cidade mais importante do país. De quinze revistas
simbolistas editadas no Brasil, nove o foram em Curitiba no início do século”.
E a atuação de EP em nosso meio, ao
lado de Dario Veloso e outros escritores locais, muito contribuiu para que a
cidade alcançasse tal condição.
A obra poética de EP consiste nos seguintes livros:
“Músicas” (1888), “Carta à Condessa d’Eu” (1888) (sob o
pseudônimo Vítor Marinho), “Ilusão”
(1911), “Pena de Talião”
(1914), “Setembro” (póstumo,
1934), “Papilio Innocentia”
(póstumo, 1966), libreto para a ópera de Leo Kessler (que consiste numa
adaptação do romance “Inocência” do Visconde de Taunay) e a peça infantil “Vovozinha” (publicada como parte do
livro “Emiliano Perneta” de José Nicolau dos Santos- Curitiba, Editora da
Universidade Federal do Paraná, 1982).
Em
prosa, EP publicou o conto “O inimigo” (1899), “Floriano” (1902),
“Alegoria”, “prosa poemática” (1903) e a “Oração à estátua do
Marechal Floriano Peixoto” (1905). Todos esses trabalhos, além de
artigos e crônicas publicadas em jornais, encontram-se reunidos em “Obras
Completas de Emiliano Perneta”-v.1- “Prosa”- Curitiba, Gerpa, 1945,
livro organizado e anotado por Erasmo Pilotto. O volume 1 não teve
continuação).
EP faleceu em 1921, aos 55 anos, no sobrado em que
residia, situado na rua XV de Novembro, 84, em Curitiba.
Fonte
dessas informações:
1) MURICY, Andrade—“Panorama do Movimento
Simbolista Brasileiro”- v.I- Rio de Janeiro, Ministério da Educação e Saúde/
Instituto Nacional do Livro, 1952;
2)
Cronologia que integra “Ilusão & Outros Poemas”- Curitiba, Prefeitura
Municipal, 1996 (col. Farol do Saber).
3)
Entrevista de Paulo Leminski à revista “Quem” nº 21. Curitiba- maio de
1980.
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